Socorro Acioli é jornalista, professora, doutora em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense e uma das grandes escritoras contemporâneas do Brasil. Sua narrativa traz elementos do imaginário coletivo brasileiro, especialmente do Ceará, onde nasceu, e de outros estados do Nordeste, de onde vieram seus pais e avós.
Autora de 18 livros infantis e juvenis, já foi vencedora do Prêmio Jabuti e participou de uma oficina ministrada por Gabriel García Márquez na Escuela de Cine y TV de San Antonio de los Baños, em Cuba, em 2006. O curso era restrito a dez convidados do autor; naquele ano, apenas nove haviam sido indicados, e Socorro conquistou a vaga restante ao apresentar uma proposta de história que viria a se tornar A cabeça do santo, seu primeiro romance para o público adulto, publicado em 2014 pela Companhia das Letras.
Nesta entrevista, Socorro fala sobre suas principais influências, o processo de criação de A cabeça do santo, o papel da literatura na cultura de um povo e a importância de lermos mais mulheres
A cabeça do santo e a transição para o público adulto
Seu primeiro romance voltado ao público adulto, A cabeça do santo, nasceu de uma história real.
“Esse santo com a cabeça no chão, incompleto, existe de fato — está na cidade de Caridade. No início, pensei em fazer uma história para jovens, já que tenho uma trajetória de dezoito livros para esse público. Mas os temas — relações amorosas, engano, trapaça, política — foram se impondo e me levaram a outro olhar, outra linguagem. Não que não se possa falar de morte para crianças, mas há temas que pedem uma maturidade diferente. Curiosamente, nas versões americana e inglesa, o protagonista tem idade reduzida e o livro é vendido como obra para jovens adultos.#
Entre o realismo mágico e o sertão nordestino
“Quando o livro foi divulgado, muita gente destacou a oficina com García Márquez. Mas ela durou uma semana — e eu passei sete anos escrevendo o livro. É claro que há influência do realismo mágico, mas as histórias de santos, milagres e aparições fazem parte da cultura do interior do Ceará. Eu cresci ouvindo essas narrativas. Então, o que parece fantástico é, na verdade, o cotidiano do sertão.”
Inspirações e referências literárias
“García Márquez sempre. Ele tem um lugar fixo. Também João Cabral de Melo Neto, Adília Lopes, José Eduardo Agualusa, Djaimilia Pereira de Almeida, Ítalo Calvino, Raduan Nassar... muita gente. O livro A visão das plantas, da Djaimilia, foi transformador.”
O papel da literatura na cultura
“A literatura é central na cultura de um povo. É base narrativa para o cinema, as séries, o teatro. Vivemos permeados por palavras — e a literatura é uma extensão disso. O triste é ver o acesso cada vez mais difícil: livros caros, educação precária, formação deficiente. Falta compreensão do que é um texto literário. Ainda assim, sigo esperançosa: há iniciativas e pessoas que mantêm viva essa chama.”
A escuta como tema e gesto
Sobre Samuel, o protagonista que ouve as vozes das mulheres:
“Nunca tinha pensado nisso, mas é verdade — ele é um homem que ouve mulheres, o que é raro na sociedade. Não foi proposital, mas eu faria propositalmente, sim. Essa surdez seletiva masculina é um abismo.”
Ler mais mulheres
“Procuro ler mais mulheres, intencionalmente. Fico feliz com autoras como Marcela Dantés, com clubes como o Amora e o Leia Mulheres, e com selos como o Clarabóia. Fomos silenciadas por muito tempo por uma perspectiva masculina, branca e heteronormativa. A literatura está ficando mais plural, e isso tem muito a ver com o olhar feminino. Isso me dá esperança.”
Livros que gostaria de ter escrito
“De amor e outros demônios, de García Márquez, com certeza. E tudo que Adília Lopes e Sophia de Mello Breyner Andresen escreveram. Eu queria ter o dom da poesia, mas o meu caminho é a prosa.”
Novo romance: Oração para desaparecer
“Comecei a escrever Oração para desaparecer ao saber de uma igreja no litoral do Ceará soterrada por uma duna móvel. A história acompanha uma mulher que é enterrada viva e acorda em Portugal, sem memória. Ela tenta entender o que aconteceu e, aos poucos, o desaparecimento se conecta ao soterramento dessa igreja, construída com o trabalho de povos indígenas e escravizados. É uma metáfora sobre as origens e os apagamentos da nossa história. O romance será lançado este ano pela Companhia das Letras.”
Sobre a autora
Socorro Acioli nasceu no Ceará e tem uma trajetória consolidada na literatura infantil e juvenil, com 18 livros publicados. Vencedora do Prêmio Jabuti, doutora em Estudos de Literatura e apaixonada pelo Nordeste e suas histórias, Socorro constrói uma obra que une realismo mágico, memória cultural e sensibilidade social, atravessando gerações e leitores de todas as idades.
