Livro na França é coisa séria. Não por acaso, é o país que tem o maior número de prêmios Nobel de Literatura: 16 ao todo. Mas, em 2022, a premiação foi atribuída pela primeira vez à uma mulher: a escritora Annie Ernaux. O prêmio corrige uma injustiça histórica. Pois, mesmo com autoras de grande qualidade literária e engajadas em temas fundamentais - como Colette, Marguerite Duras e Marguerite Yourcenar - é de indignar que, até esse ano, apenas escritores tenham sido laureados.
O mercado editorial é essencial no debate público francês. Uma ótima rede de bibliotecas, livrarias independentes, revistas literárias e suplementos de literatura nos jornais aquecem os lançamentos e dão acessibilidade aos livros. Enquanto 52% dos brasileiros leram ao menos um livro em 2020 (contando livros religiosos e de autoajuda), na França esse número sobe para 86%. Em 2021, foram vendidos 55 milhões de livros no Brasil. Na França, 400 milhões.
A Rentrée Littéraire, na volta das férias de verão (agosto e setembro) é o período de grandes e variados lançamentos. É quando são anunciadas as seleções para os prêmios de literatura como o Prix Goncourt e autoras e autores viram capa de revista, vão a debates televisivos e entrevistas nas rádios. Até mesmo cartazes no metrô, em paradas de ônibus e muros anunciam as novidades literárias.
Se o cânone literário francês ainda é bastante masculino, autoras contemporâneas ocupam um espaço mais equilibrado com os autores, mesmo que sejam, como no Brasil, menos premiadas. A Amora selecionou sete autoras francesas contemporâneas para ficar de olho. Lembramos que uma de nossas favoritas, a Leïla Slimani, foi selecionada para a caixinha de abril de 2022, com o livro No Jardim do Ogro.
7 escritoras em língua francesa contemporâneas imperdíveis
Alice ZeniterNascida em Clamart (Hauts-de-Seine), em 1986.
Ainda sem tradução para o português, Alice Zeniter escreve romances e peças de teatro sobre os temas do racismo e condição da mulher na França. Foi seu romance L’Art de perdre (2017), A arte de perder, em tradução livre, que a catapultou para as listas de mais vendidos, pois ganhou inúmeros prêmios. Trata-se da história de uma família franco-argelina e da complexidade de estar entre dois mundos tão diferentes. Em 2022, lançou Toute une moitié du monde (Flammarion), Toda uma metade do mundo, em tradução livre, onde discorre sobre a literatura e a criação ficcional, como escritora e como leitora, duas metades de um mundo de histórias.
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Amélie Nothomb
Nascida em Etterbeek (Bélgica), em 1966.
Amélie Nothomb lança um romance por ano, sempre na Rentrée Littéraire. Seu título de 2022 chama-se Le livre des soeurs (Albin Michel), O livro das irmãs, em tradução livre, que conta a história de duas irmãs muito diferentes, mas inseparáveis. Comenta-se que ela escreve dois romances por ano, mas descarta o que considera menos impactante. Apesar de seu enorme sucesso e relevância no mercado editorial francês (tem mais de 30 títulos publicados), ela é muito pouco traduzida para o português. Medo e submissão, onde conta suas experiências no Japão, onde viveu sua infância, ganhou o Prêmio do Romance da Academia Francesa em 1999 e foi lançado no Brasil pela Record em 2001. Sede foi lançado no Brasil. em 2022, pela Tusquets.
Annie Ernaux
Nascida em Yvetot (Normandia), em 1940.
Os livros de Annie já eram considerados clássicos contemporâneos mesmo antes da premiação. Sua obra, principalmente autoficcional, faz parte do programa escolar francês há tempos, e é referência para uma crítica social do país, com seu engajamento em defesa dos direitos das mulheres e a denúncia de discriminações. A comissão do Nobel justificou a escolha dizendo que Ernaux havia sido escolhida "pela coragem e acuidade clínica com que descortina as raízes, os estranhamentos e os constrangimentos coletivos da memória pessoal". A escritora francesa, de 82 anos, tem 30 livros publicados, sendo que quatro foram lançados no Brasil pela editora Fósforo: O Lugar, A Vergonha, O Acontecimento e Os Anos.
Karine Tuil
Nascida em Paris (Île-de-France), em 1982.
Se os romances de Karine Tuil fossem séries da Netflix, você certamente os maratonaria. Ela traz para as páginas as maiores contradições e hipocrisias da sociedade e as destrincha em tramas muito bem costuradas. Não há heróis nem vilões, mocinhos ou bandidos, todos os personagens são tudo isso ao mesmo tempo. Coisas humanas (2019), sobre um estupro (ou não) será lançado no Brasil em 2023 pela editora Paris de Histórias. O livro foi adaptado ao cinema. Em 2022 lançou La décision (Gallimard), sobre o julgamento de um cidadão francês que se juntou ao Estado Islâmico e muitas outras reviravoltas jurídicas e amorosas.
Leïla Slimani
Nascida em Rabat (Marrocos), em 1980.
Leïla Slimani cresceu em uma família liberal, onde se falava francês. Aos 17 anos mudou-se para Paris para estudar Ciências Políticas e Comunicação Social na conceituada universidade Sciences Po. Tentou ser artista depois de se formar, mas foi como jornalista da revista Jeune Afrique que deu início à sua carreira na escrita. Foi presa na Tunísia, em 2011, enquanto reportava sobre a Primavera Árabe e decidiu ser escritora depois do incidente. Em 2013, participou da oficina de escrita de Jean-Marie Laclavetine, editor da renomada editora parisiense Gallimard, que gostou do estilo de Leïla e a ajudou a aperfeiçoar o seu texto. Ele é seu editor até hoje e é uma das pessoas em quem a autora mais confia na hora de mostrar seus manuscritos. No Brasil tem dois livros publicados: No jardim do ogro e Canção de Ninar, ambos pelo selo Tusquets, da Editora Planeta de Livros.
Para saber mais sobre Leïla, clique aqui.
Muriel Barbery
Nascida em Casablanca (Marrocos), em 1969.
Traduzidíssima para o português, Muriel Barbery talvez seja a autora francesa contemporânea com a mais completa obra editada no Brasil, sempre pela Companhia das Letras. Ficou conhecida com o best-seller A elegância do ouriço (2008), que virou filme em 2011. Com o sucesso de vendas deste, a editora lançou seu primeiro romance A morte do gourmet, em 2009. Na Rentrée Littéraire de 2022 eram dois os lançamentos de Muriel nas mesas das livrarias francesas: a versão de bolso de Uma rosa só, lançado no Brasil em 2022 e Une heure de ferveur (Actes Sud), Uma hora de fervor em tradução livre, ambos com histórias passadas na cidade japonesa de Quioto, onde a autora viveu por um ano.
Virginie Despentes
Nascida em Nancy (Meurthe-et-Moselle), em 1969.
O termo francês enfant terrible cabe maravilhosamente bem para descrever o papel da autora-ativista-feminista Virginie Despentes nas letras francesas. Provocadora e debochada mas com uma linguagem afiada e em total sintonia com os desafios da sociedade, Virginie foi figura carimbada na mídia francesa com o lançamento de Cher connard (Grasset), Caro babaca em tradução livre e está caminhando para ser a mais vendida em 2022. O livro trata das relações complexas pós #MeToo e através de redes sociais, quase como se fosse um thread do Twitter ou do WhatsApp. Sua trilogia A vida de Vernon Subutex já foi publicada no Brasil pela Companhia das Letras, em 2019, e o ensaio sobre o patriarcado, Teoria King Kong, pela N-1 edições, em 2016.
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