Entrevista com Mariana Salomão Carrara

Entrevista com Mariana Salomão Carrara

Postado em:
Blog - Escritoras contemporâneas
- 08/05/2023 15:37:32

A escritora brasileira Mariana Salomão Carrara é paulistana, Defensora Pública, nascida em 1986. Tem publicados um livro de contos, Delicada uma de nós (Off-Flip, 2015), e os romances Idílico (EI, 2007), Fadas e copos no canto da casa (Quintal Edições, 2017), Se deus me chamar não vou (Editora nós, 2019, entre os 10 indicados ao Prêmio Jabuti 2020, em Romance Literário), É sempre a hora da nossa morte amém (Editora Nós, 2021, finalista do Prêmio São Paulo 2022).

Não fossem as sílabas do sábado (Todavia, junho/2022), livro enviado na caixinha de maio da Amora, é o seu livro mais recente. Um romance que orbita em torno da amizade entre duas mulheres marcadas por uma dor profunda. Uma história sobre o que fica depois da morte, sobre o que sobra depois que tudo desmorona. Uma narrativa tão potente sobre o luto, contada de forma tão visceral, que traz uma narradora capaz de nos fazer rir. Como rimos, afinal, até dos piores momentos da vida. 

Nessa entrevista, cedida com exclusividade para a Amora, Mariana fala sobre a obra, relação com a escrita e conta quem são algumas das suas maiores referências na literatura. 


Assine a Amora e receba, todos os meses, livros das melhores escritoras contemporâneas na sua casa. Clique aqui


Pra começar você poderia contar um pouco de sua trajetória como escritora? Por que começou a escrever? 

Comecei a criar historinhas nas aulas de português, logo após a alfabetização. Era fascinante colocar em papel o que parecia com o ato de brincar: criar situações, cenas, diálogos. 

E por que continua escrevendo?

Não consigo nem materializar essa hipótese: parar de escrever. Sempre foi um desdobramento natural da minha vida. A adolescência toda produzi contos e longos romances que foram importantes como caminhada até aqui. Não poder mais escrever seria uma espécie de tragédia pessoal. 

Você ainda trabalha como defensora pública? Pensa em se dedicar só à literatura ou gosta de equilibrar esses trabalhos? 

Sim, sou defensora pública, que é um cargo de muita relevância para a população, e por isso mesmo também exige muito tempo e energia mental. É inegável que compete muito com a escrita, que só pode ocupar períodos de lazer. Mas, para além do fato de que não vislumbro uma forma de viver apenas da escrita, admiro muito o papel da Defensoria Pública e certamente já não é possível imaginar que pessoa eu seria se não tivesse vivido até agora esses doze anos na função.

E como o trabalho como defensora pública impacta nas suas narrativas? 

Ainda que a maior parte das personagens e narradoras não venham do universo com o qual lido na Defensoria, certamente meu trabalho acaba alimentando e conduzindo minha visão de mundo, minha noção de realidade social, meu repertório humano. 

Como Não fossem as sílabas do sábado nasceu? Houve um gatilho, uma inspiração, algum fato que despertou a vontade de contar essa história? 

Há um tempo eu queria mergulhar de vez nesse tema, que me é fundamental, da amizade entre duas mulheres. Amizade como ligação basilar, familiar, e que, apesar disso, pode acabar subvalorizado pelas próprias amigas. Queria entrar de vez numa relação em que uma delas não consegue se dar conta do tamanho do vínculo.  Esse tema se uniu à tragédia que imaginei, que talvez tenha surgido a partir de temores que eu tinha a respeito de um vizinho de porta, mas foi se somando a outros medos meus quando ando nas ruas. De repente as duas ideias se encontraram e fizeram sentido juntas. 

"Há um tempo eu queria mergulhar de vez nesse tema, que me é fundamental, da amizade entre duas mulheres."

Os títulos dos seus livros são muito bons e parece já terem virado uma marca sua. Como é o processo de escolha? Ele surge durante a escrita, antes, depois? 

Com exceção do É sempre a hora da nossa morte amém, que surgiu até mesmo antes da ideia do livro, os títulos aparecem ao longo da escrita, a partir de alguma cena que casa com o tema geral.  

Pode nos contar um pouquinho do seu processo de escrita? Que rotinas, hábitos, manias e necessidades você tem durante a criação de um livro? 

Não tenho rotina de escrita, porque quase nunca consigo escrever depois do trabalho, tanto por exaustão mental como física mesmo, porque as duas tarefas me mantêm sentada na mesma posição com o olho na tela.  Para entrar novamente no livro, no meio da correria da vida, costumo ouvir músicas que me desloquem um pouco para um estado melancólico-criativo. Às vezes leio um pouco de poesia pra me ajudar entrar nesse outro humor. 

No Sílabas, embora a Ana seja a personagem central, a Madalena ocupa um lugar de destaque na história. É uma personagem que você não entrega inteira para o leitor. Deixa ela num lugar de mistério, nos instiga a criar possibilidades sobre essa mulher e a sua relação com o Miguel. Pode nos contar um pouquinho de como foi esse processo? 

A partir do silêncio compulsório da Madalena, que vai curando seu luto apenas na entrega e dedicação à Ana e à Catarina, eu sinto a dor dela de forma ainda mais evidente do que a dor da narradora, e queria que os leitores, ao longo dos anos de luto e amizade, escrevessem mentalmente a história dessa outra vítima da tragédia. Eventual revelação de fatos, como, por exemplo, uma briga, uma doença, alguma longa depressão de Miguel, traria para a história a necessidade de compreensão do suicídio. O tema se tornaria suicídio, quando eu estava falando da incompreensão e equívocos sobre o assunto. A história era sobre o que sobrou. 

Uma das coisas que mais me impacta no livro é como você consegue ser tão crua na construção das frases sem perder a fluidez. Não há palavras sobrando, tudo é dito de forma muito direta, mas ainda assim é leve. E, muitas vezes, até engraçado. Essa é uma busca consciente na sua escrita? Já era assim nos seus primeiros livros? 

Gosto muito dos risos em livros que não me prometeram isso. Gosto de estar imersa num drama e encontrar uma narradora capaz de me fazer rir dele, uma vez ou outra. Então, sim, existe uma busca consciente pelo humor, pelo menos desde Se deus me chamar não vou. 

"Gosto muito dos risos em livros que não me prometeram isso."

Por que a decisão de contar essa história em primeira pessoa? 

Todas as minhas obras são em primeira pessoa, porque a história em si existe a partir do momento que existe a narradora. Gosto do monólogo interior, e, principalmente, da narrativa enviesada. É fundamental, para mim, que estejamos acompanhando um relato viciado, um ponto de vista específico de uma história com várias pontas. 

O livro trata de um grande encontro entre mulheres diferentes em seus dramas, mas com dores comuns. Falar sobre o feminino é uma questão importante pra você? 

Eu acho que mais precisamente o tema da amizade entre mulheres é um tema caríssimo pra mim. Esse vínculo como relação familiar, em paridade com outras relações prioritárias tradicionais. Daí, é claro, esse tema traz junto todo um cabedal de dores nossas, como a maternidade, nossas culpas e fardos. 

Que obras foram transformadoras na tua vida? 

Conhecer a obra da Lygia Fagundes Telles na adolescência certamente foi determinante para o modo como conduzi minha escrita desde então. Ainda na adolescência, fiquei muito apegada ao A insustentável leveza do ser, do Milan Kundera. Também fui muito marcada pelo Evangelho segundo Jesus Cristo, do Saramago, Os cus de Judas, do Lobo Antunes e, mais recentemente, tudo da Elvira Vigna.


"Conhecer a obra da Lygia Fagundes Telles na adolescência certamente foi determinante para o modo como conduzi minha escrita desde então."


Você tem o hábito intencional de ler mais mulheres? O que acha desses movimentos que promovem a literatura feita por mulheres? 

Não precisei, acho, guiar intencionalmente minha leitura para autoras, porque meu interesse espontâneo sempre me levou a diversas obras escritas por mulheres. Há outras diversidades que ainda preciso estimular mais na minha estante. Mas, de modo geral, acho esses movimentos importantíssimos e certamente tiveram grande impacto também nas escolhas editoriais, viabilizando muito do que estamos vendo por aí agora. 

Quais foram os últimos livros escritos por mulheres que você leu? 

Todos os da Elvira Vigna, diversos da Dulce Maria Cardoso, a poesia da Ana Martins Marques, três da Samanta Schweblin, os livros da Annie Ernaux e A pediatra, da Andrea Del Fuego.

Que livros você gostaria de ter escrito? 

Os meus sentimentos, da Dulce Maria Cardoso; O Evangelho segundo Jesus Cristo, do Saramago; O primeiro homem mau, da Miranda July; As horas, do Michael Cunningham; O som e a fúria, do  Faulkner; O mal obscuro, do Giuseppe Berto; Kramp, da Maria José Ferrada; O verão no aquário, da Lygia Fagundes Telles.

Tem algum novo projeto em andamento? Pode contar pra gente?

Estou trabalhando faz tempo numa história que se passa numa lavoura, por conta de uma matéria que me impressionou muito, há alguns anos. Acabei interrompendo a escrita para escrever outros, mas retomei e espero concluir ao longo deste ano. 

Aproveite para assinar a Amora e receber, todos os meses, livros das melhores escritoras contemporâneas na sua casa. Clique aqui


LEIA TAMBÉM