Paula Gicovate é uma das escritoras brasileiras que vem se destacando na literatura. Nasceu em Campo dos Goytacazes-RJ, cursou Letras na na PUC-RIO e, além de escritora, é roteirista. Começou escrevendo em um blog, foi uma das idealizadoras da série Só Garotas (Multishow), fez parte da equipe dos programas Esquenta, com Regina Casé e Os melhores anos de nossas vidas, ambos da Rede Globo. Já publicou dois livros de contos e o romance Este é um livro sobre o amor, que teve os direitos autorais vendidos para o cinema. Notas sobre a impermanência, lançado em 2020 pela editora Faria e Silva, selecionado para a caixinha de setembro da Amora, foi escrito durante uma residência literária em Barcelona e é semifinalista do Prêmio Oceanos 2022. Seus livros falam sobre o amor, tema que virou sua marca autoral. "O amor tem muitas facetas e muitos arranjos possíveis, e destrinchar cada um deles me fascina", explica a autora. Nesta entrevista, Paula fala sobre a sua carreira, sobre a criação de Lia, personagem central do livro e de como a escrita, a partir dos afetos, é uma mais do que uma profissão: é necessidade.
Você cursou Letras - Formação de Escritor na PUC-RIO. Isso significa que você sempre quis ser escritora?
Sempre. Eu brinco que escrevo desde que aprendi a escrever, e é verdade, a escrita é o que me define, o que me mantém sã. Sempre foi meu sonho viver da escrita. Mas a faculdade de letras foi uma surpresa. Eu achava que quem gostava de escrever fazia jornalismo. Mas quando fui prestar vestibular não tinha concurso para Jornalismo no segundo semestre, tinha Letras. Decidi fazer por um semestre até mudar de curso. Mas me apaixonei no primeiro dia de aula e nunca troquei. É engraçado porque uma professora de Redação me falou durante todo o ensino médio que eu deveria fazer letras e seria muito feliz, mas foi por acidente que acabei indo parar lá.
Por que começou a escrever? E por que continua escrevendo?
A escrita sempre me salvou. Eu escrevia porque estava feliz, porque estava triste. Escrevia para eternizar. Comecei escrevendo em um blog cartas de amor para pessoas que não existiam e de alguma forma acho que sigo fazendo isso até hoje. Eu sigo escrevendo porque é o que me mantém sã. A escrita me cura e poder fazer isso profissionalmente é uma benção.
E a trajetória como roteirista, como começou? Você acredita que ser roteirista impacta na sua narrativa literária? De que forma?
Eu queria muito trabalhar com escrita e entendi que roteiro era o caminho que mais me faria feliz. É a possibilidade de seguir contando histórias. Quando me formei na faculdade procurei muitas produtoras que aceitassem um estágio até que recebi uma oportunidade. Eu tentei muito. Tive que abrir espaço na unha porque vinha de uma cidade do interior e não conhecia ninguém. Acho que o roteiro me ajuda na estrutura mais do que na narrativa. Me ajuda a dar uma ordem para as minhas ideias e pensar na estrutura dos romances.
Como foi a sua experiência com a série Só Garotas (Multishow)? Como surgiu esse projeto?
Só Garotas nasceu do encontro com duas amigas que estavam passando por um momento semelhante ao meu. Estávamos as três separadas, com quase trinta anos, entendendo que a vida não tinha sido exatamente como pensávamos aos vinte. Era uma vontade grande de contar um pouco da história da nossa geração e tivemos a sorte de poder fazer isso com atrizes incríveis. Só Garotas é uma série sobre a amizade, e sobre como as amigas te ajudam a navegar o mundo.
Na Globo você trabalhou como roteirista do Esquenta (com a Regina Casé) e do game show Os melhores anos de nossas vidas, certo? Como foi essa experiência de escrever para TV aberta?
É muito incrível escrever um programa que você sabe que está indo para o país todo. Se materializa de uma forma muito impressionante. Sempre me deu muita alegria escrever pra TV aberta e principalmente mostrar para os meus avós o que eu fazia da vida.
Notas sobre a impermanência foi o seu segundo romance. Qual foi a diferença entre escrever o primeiro e o segundo?
O Notas trouxe mais estrutura de romance, me botou mais pra pensar em como eu queria que esse livro começasse e terminasse. O Este é um livro sobre amor foi um jorro, era uma necessidade de jogar no mundo o que eu estava sentindo. O processo do Notas foi mais pensado, eu e a Lia nos conhecemos por muito tempo antes desse livro vir ao mundo, foram cinco anos de processo.
Construir narrativas a partir dos afetos, do amor, é uma marca autoral sua? Isso é uma escolha, uma necessidade? Por que o amor?
É uma necessidade. Eu escrevo sobre o amor como uma forma de entendê-lo. Pra mim é um tema que não se esgota. O amor tem muitas facetas e muitos arranjos possíveis, e destrinchar cada um deles me fascina. É uma marca autoral sim, eu acho que tudo que eu escrevo passa pelo viés do amor.
Que impacto teve, para você, ter o livro selecionado para o Prêmio Oceanos esse ano?
Serviu, sobretudo, para afastar minha síndrome de impostora. Passei dias relendo a lista para ver se meu nome seguia lá. É uma vida escrevendo, e escrevendo por amor e por necessidade física, a literatura me mantém sã, e ter um reconhecimento nesse livro é bonito porque é meu propósito encontrando o outro, foi um presente, uma força a mais para seguir escrevendo. Eu escrevo de qualquer forma, o tempo todo, mas ter sido selecionada para esse prêmio me ajudou a acreditar mais em mim.
Como surgiu a Lia, conta um pouquinho da construção dessa personagem?
Queria contar uma história que falasse do desejo como um trovão, uma batida de carro, algo que acontece independente de qualquer situação. O desejo acontece. O que você faz com ele é outra decisão e Lia é uma personagem que age com o desejo mas que também muda de ideia, tem muitas camadas. Mesmo nos momentos em que eu não concordava com ela, eu escrevia a Lia sem julgar suas ações. Construi a Lia olhando de fora, deixando que essa personagem existisse de acordo com seus desejos, eu só acompanhei o que achava crível para a personalidade dela. Lia me ensinou muitas coisas, me fez muita companhia.
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Uma das coisas mais bonitas do livro é a delicadeza com que você trata a relação de Lia e Otto, sem julgamentos. Você provoca reflexões sobre as expectativas que temos sobre o amor, sobre a traição, sobre o lugar previsível da amante. Pode nos falar mais sobre isso?
O amor e o desejo têm muitas camadas. E eu queria contar uma história que falasse sobre elas. Nunca é uma coisa só. Nada é tão simples e eu não queria que a Lia fosse. Fiquei com medo da Lia sofrer preconceito por ser amante, mas isso é apenas um detalhe da história. Esse é um livro sobre Lia, sobre desejo e amor platônico, liberdade e impermanências e eu fico muito feliz quando ecoa nas pessoas. Quando dizem "eu sou muito a Lia" eu enxergo alguém que vive suas vontades, que questiona seu lugar no mundo, que já amou alguém que não podia ser amado, e teve coragem para mudar seu rumo.
Além do amor, o livro fala sobre a amizade entre mulheres. A Joan tem um papel importante na vida da Lia em Barcelona. Ela traz uma perspectiva diferente, sob a ótica do tempo, sobre as relações. Você tem Joans na sua vida?
Tenho. Uma das minhas melhores amigas tem mais de sessenta anos, e é uma espécie de Joan na minha vida. É um olhar do futuro e ao mesmo tempo que não julga minhas decisões. O curioso é que essa amizade surgiu depois do livro, quase como se Joan me antecipasse um presente.
Barcelona é quase uma personagem do livro. Porque escolher essa cidade, o que te encanta nela?
Eu fiz uma residência literária em 2015 em Barcelona. Fui pra escrever um livro e voltei com outro. Todo dia me obrigava a parar e escrever como os outros artistas da residência faziam e isso me bloqueava a ponto de me deixar ansiosa. Só quando eu desisti da ideia e fui andar pela cidade que Barcelona me mostrou que a história estava lá o tempo todo, no meu vizinho da frente, nas ruas do bairro gótico, nos bares de rock, e nos turistas que chegavam até lá como eu e Lia, esperando que algo de mágico acontecesse.
Você tem o hábito intencional de ler mulheres? O que acha desses movimentos que promovem a leitura de narrativas escritas por autoras?
Sim, há alguns anos eu privilegio a leitura de livros escritos por mulheres. Nós sempre escrevemos, mas não éramos lidas, não éramos vistas, e agora estamos rompendo essa bolha. Movimentos que promovem a leitura dessas mulheres são importantíssimos para finalmente colocar luz nas mulheres que escrevem há tantos anos e estavam apagadas no mercado. Estou muito feliz de estar com a Amora porque vocês ajudaram que eu me visse, deram uma casa para meu livro e me ajudaram a espalhar a palavra da minha protagonista. E tem muitas mulheres vindo por aí. Mal posso esperar para ler suas histórias.
Quais foram os últimos livros escritos por mulheres que você leu?
Esse ano só li mulheres. Os últimos livros foram Pança de Burro da Andreia Abreu, Rastejando até Belém da Joan Didion, A Boa Sorte da Rosa Montero, e Meu Pescoço é um Horror da Nora Ephron.
Tem algum novo projeto em andamento? Pode contar pra gente?
Sim! E é uma alegria seguir escrevendo. Meus processos sempre foram longos, mas dessa vez decidi seguir e tenho preparado um livro de contos, o formato onde comecei. É uma volta para a Paula que escrevia cartas de amor para pessoas que não existiam e que segue fazendo isso até hoje.
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