Não é de hoje que moda e literatura andam juntas. Estes dois gêneros se conectam em muitos pontos: trabalham com técnicas narrativas, mergulham no imaginário, são representações de criadores que têm estilo, voz autoral e inspiram-se nos estímulos do cotidiano, nas suas experiências e repertórios para produzirem suas obras.
Ler está na moda
Há estilistas que partem de obras da literatura para desenharem suas coleções. Ao contrário, há escritores que discorrem sobre moda em seus livros, chegando a perpetuar estilos. Tá aí o Oscar Wilde que não nos deixa mentir. Uma de suas máximas: “devemos ser uma obra de arte ou vestir uma”. Elegante e excêntrico, Wilde foi um dos expoentes do movimento chamado de dandismo, que influenciou não só o traje masculino no século 19, como também o lifestyle da época, marcado pela valorização máxima do belo e da intelectualidade.
Exemplos desse casamento entre os dois mundos não faltam. Em 2006 o estilista Ronaldo Fraga surpreendeu na São Paulo Fashion Week com peças criadas a partir do universo de "Grande sertão: veredas", do escritor mineiro João Guimarães Rosa. Fraga já havia, um ano antes, desenhado uma coleção com elementos retirados da obra de Carlos Drummond de Andrade. Para ele, moda e literatura são dois gêneros artísticos que se preocupam essencialmente com a possibilidade de contar uma história.
Marcas como Chanel, Valentino e Dior se aproximam cada vez mais da literatura e transformam livros em objetos de desejo. Usam a internet para encorajar as pessoas a saírem um pouco dela, preferencialmente acompanhadas de um bom livro. Na mesma onda, influencers, atrizes e modelos estão atrás de book stylists, profissionais dedicadas à curadoria de livros para eventos e sessões de fotos, a fim de dar mais autenticidade, ares de cultura e de savoir-vivre aos feeds. A literatura está na moda. Passear por livrarias ou bibliotecas, tirar fotos lendo na piscina ou no parque, ter um livro na bolsa e ser sócia de um clube de livros é cool.
Desde o começo da pandemia, com menos viagens, eventos e desfiles, o livro tomou lugar de prestígio. Foi o refúgio que buscamos. O pior já passou, mas a literatura ficou e agora o who's who da internet chancela o hábito e faz a alegria de autoras, editoras e leitoras.
Literatura nas passarelas e nos feeds
Em 2019, a grife Siki Im, usou poemas do chileno Pablo Neruda em suas criações. No ano passado, o desfile da coleção outono-inverno de alta-costura da italiana Fendi teve como inspiração a história de ficção Orlando, de Virginia Woolf.
A marca Valentino está unida à literatura desde 2015, quando a coleção, assinada por Pierpaolo Piccioli e Maria Grazia Chiur, trouxe bordados trechos do Inferno, de A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Em 2018, a marca italiana convidou a autora-poeta-artista Rupi Kaur, que tem 4,5 milhões de seguidores no Instagram, para ler na after-party dos desfiles em Tóquio. No ano passado, uniu-se à Belletrist, um clube de livros fundado pela consultora criativa Karah Preiss e pela atriz Emma Roberts, com 18 milhões de seguidores. Parte das ações está em publicar novos contos e levar leituras para os desfiles. Belletrist e Valentino também enviaram uma caixa linda para 100 influencers com 3 livros inéditos.
Uma das influencers que recebeu a caixa foi cantora Dua Lipa, que além de um podcast onde entrevista várias autoras e autores – Dua é viciada em livros – envia uma newsletter chamada Service95, que se auto-intitula "seu concierge digital" e traz, com frequência, recomendações de livros. Livros estão na moda, não custa repetir, como um mantra.
A Chanel criou os Encontros Literários na Rue Cambon, difundidos no YouTube, onde a embaixadora da marca, Charlotte Casiraghi, entrevista autoras para falarem de livros, inspirações, valores e outros temas. Gabrielle Chanel era uma leitora voraz, bem como Karl Lagerfeld, que não só lia, como publicava seus próprios livros e abriu uma livraria em Paris, a 7L, na Rue de Lilas. Atrelar-se à cultura é uma necessidade para essas marcas não parecerem frívolas e há uma cobrança das consumidoras por um maior engajamento em temas como igualdade de gênero, empoderamento feminino e sustentabilidade. Nada melhor do que promover autoras, editoras e a leitura de mulheres do mundo todo para ganhar pontos.
Dê uma passeada pelos feeds de Jeanne Damas e de Nicole Kidman para ver que, em algum momento, há um livro presente. Mas algumas artistas e influencers dão um passo a mais e têm seus próprios clubes de leitura. É o caso da modelo Kaia Gerber e das atrizes Reese Witherspoon, com o Reese's Book Club. Emma Watson tem um clube de leitura feminista e Natalie Portman comanda o Natalie's Book Club, com 42 mil seguidoras.
O que muitas leitoras buscam nestes clubes do livro e clubes de assinatura de livros, é a curadoria de quem lê muito, aquela indicação da amiga que diz: "li um livro incrível que você tem que ler". Uma das maiores influências nas vendas de livros nos EUA é a apresentadora Oprah Winfrey, que há anos seleciona livros para suas fãs.
Nas redes brasileiras, um dos destaques é a advogada, comentarista política, apresentadora de TV e youtuber Gabriela Prioli, que tem um clube de leitura junto com Leandro Karnal, voltado às questões políticas, sociais e econômicas. A influenciadora Luiza Accorsi, seguida por mais de 900 mil pessoas, fala de moda, beleza, viagens e universo do luxo em seu perfil pessoal. Já no perfil Books da Luli, com 63 mil seguidores, ela divulga o Clube de Leitura que seleciona um livro por mês, dá dicas e promove lives.
Nós, aqui da Amora, torcemos para que a literatura ocupe cada vez mais espaços, que esteja presente nas vitrines, passarelas, feeds de instagram, no cotidiano. Que as bibliotecas públicas voltem a ser frequentadas, que as livrarias sejam negócios lucrativos, que os clubes de assinatura e de leitura de livros tornem-se um hábito. Que os livros não sejam apenas objetos de desejo ou status, mas itens de primeira necessidade. Que o conhecimento seja acessível, compartilhado e valorizado. Vamos ler mais. Vamos ler mais mulheres!
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